queria ser poeta

Cachorros de rua Os cachorros de rua São todos meus irmãos Seja na tristeza e na amargura Seja na fome e na solidão Os cachorros de rua São todos como eu Seja no uivo para a lua Ou no amor que prometeu Os cachorros de rua Estão todos dentro de mim Na ferida do abandono E no amor que não tem fim                       Wilson Borges

Haicai I Chuvarada Como folhas entupindo a calha Todo poeta é um pouco canalha Haicai II Quando nas estrelas do teu ser Me pergunto: paraquedas para quê? Minha queda livre é por você Haicai III Apertem os cintos No assalto ao céu A turbulência é o destino

Que minha arte vá pro Beleléu Minha leitura é preguiçosa Minha poesia displicente Minha música é silenciosa Minha pintura transparente Minha escultura é disforme Minha dança muito parada Meu teatro é de fantoches Meu cinema sem tomada Itamar Assumpção Essa minha vida de artista É mesmo de partir o coração                         Wilson Borges

Para Augusto dos Anjos A primeira vez que morri Adolescente que era, não me recordo A primeira vez que me mataram Sofri, dancei e depois sorri A segunda vez que morri Não me lembro pois estava dormindo A segunda vez que me mataram Foi em um sequestro e o resgate ainda espero alguém pedir Mas depois da terceira vez que morri E da terceira vez que me mataram Eu já era experiente, não perdi nada além da vida E por isso tudo que admiro as hienas Elas matam, elas roubam, elas riem e te devoram vivo Mas te poupam do primeiro verme.                           Wilson Borges

Kauê Tavano Recski Cada um tem o poeta que merece Com base nisso, estava aqui pensando O meu não é um desses que todo mundo conhece Dante, Camões, Chico Buarque cantando Minha inspiração na poesia é Kauê Tavano Recski Grande poeta da vida e do cotidiano                           Wilson Borges

Terra pouco firme Me recuso a viver de etiquetas Marcas, poses e bons modos Prefiro o cheiro do ralo e da sarjeta Vírus, bactérias e estafilococos Me recuso a viver de amor remoto Placas tectônicas, fronteiras profundas Prefiro o chão pouco firme dos terremotos Maremotos, tsunamis e águas turvas                         Wilson Borges