queria ser poeta

Sobre a canção e o exílio Meu quintal não é Brasil Mas lá canta um sabiá Ele tem uma asa quebrada E eu não me canso de contar Mas agora estou mudando de casa Pra um apartamento apertado Será que meu amigo sabiá saberá Ou se sentirá triste e abandonado? Meu exílio não é forçado Nem chega a ser do lado de lá Tem palmeiras e gorgojeiam Bem-te-vis e sabiás Minha terra não tem fronteiras E voarei com uma asa quebrada Como meu sabiá-laranjeira Pra sempre em visita apaixonada                   Wilson Borges

Fístulas Uma fístula É uma ofensa Provoca náuseas Dor de cabeça É coisa nojenta e causa Repulsa Mas quando se trata De amizades tóxicas E canais dentários A fístula sempre traz alívio Acaba com nossa tortura E pulsa                   Wilson Borges

O Fio da meada  O caminho mais curto Entre dois pontos numa tela Na verdade é um risco de vida E não uma linha reta A vida é um risco de morte Está sempre por um fio E a gente vai de corte em corte Buscando no sofrimento algum brio                             Wilson Borges

Na hora certa do Brasil Quando marca as oito Ja sabemos que é as nove Mas por conta do fuso-horário E do horário de verão Ninguém se vê Antes das onze E graças ao movimento de translação Da terra plana Pode chegar meio dia Que a noite é uma criança                   Wilson Borges                      

A verdade no espelho O leite azeda A vida às vezes também O café esfria O amor às vezes também A bola murcha A gente às vezes também Todo mundo sabe, não tem surpresa Mas ainda assim gente se surpreende As verdades vivem sempre presas Ate que um dia a gente apenas sente                     Wilson Borges

Prioridades que a idade traz Meus amigos são assim Choram para pagar vinte reais de almoço Mas na mesma conta de botequim Pagam quarenta de cerveja sem alvoroço Quando se pergunta onde buscar o pão Alguém lembra de uma birosca a dez reais Mas que não é pro café e sim pro litrão São as prioridades que a idade traz                                  Wilson Borges

Haicai XIX Mar e ilha É tudo que eu quero Na poesia Haicai XX O tempo no coração Tanto bate Até que cura Haicai XXI Não conjugue o Verbo O sujeito oculto É o verdadeiro mistério

O tempo e seu temperamento  Minha maior dependência É de ter mais de trinta anos só de jovem Logo eu que fui emancipado na infancia Quando ainda chorava como homem Meu maior orgulho hoje em dia É que só choro como criança Assim mantenho a força e rebeldia Da visceralidade da adolescência                             Wilson Borges